Tudo o que eu queria hoje era andar sobre nuvens, acordar numa atmosfera urdida por bichos da seda, nadar num mar de gatos, um milhão de ronronos de veludo, sair voando pela janela.
Tudo o que eu queria era saber manejar todos os pesos do mundo como o carrinheiro que salta do topo da montanha de 400 kg elevando o carrinho antes de aterrar no chão.
Tudo o que eu queria era ser leve.
E ser levado por um balão ou zepelin, dos muitos que se erguem do chão a toda a hora. Sempre que tento agarrar um, transformo-me em lastro e ficamos os dois ardendo no chão. A menos que eu largue a corda e o deixe ir para longe.
Sonhos escritos são diferentes de sonhos contados. Como palavras embrulhadas num envelope são diferentes de palavras acesas num monitor.
Tudo o que eu queria era um governo só de gente boa, presidido por uma senhora deslumbrante que cantasse tão bem ao perto como do alto do palácio do planalto.
Tudo o que eu queria era uma casa com muito chão. E ter por vizinhança gente sábia, versada nos nomes de todas as coisas que habitam a mata em nosso redor. Sentados à sombra da única árvore sem palavra certa, teríamos intermináveis discussões sobre sinónimos qualificativos e descritivos de cheiros vários, ouviríamos atentos as diferenças entre sons nomeados por palavras homófonas.
Então passariam duas aranhas armadeiras escoltando uma caranguejeira com uma sacola fechada debaixo do braço. É aquela hora do dia, comentaria uma anciã. E regressaríamos todos às barrigas das respectivas primatas. A caminho do mar.