Skip to main content

Letras de Luz



Tudo o que eu queria hoje era andar sobre nuvens, acordar numa atmosfera urdida por bichos da seda, nadar num mar de gatos, um milhão de ronronos de veludo, sair voando pela janela.
Tudo o que eu queria era saber manejar todos os pesos do mundo como o carrinheiro que salta do topo da montanha de 400 kg elevando o carrinho antes de aterrar no chão.
Tudo o que eu queria era ser leve.
E ser levado por um balão ou zepelin, dos muitos que se erguem do chão a toda a hora. Sempre que tento agarrar um, transformo-me em lastro e ficamos os dois ardendo no chão. A menos que eu largue a corda e o deixe ir para longe.
Sonhos escritos são diferentes de sonhos contados. Como palavras embrulhadas num envelope são diferentes de palavras acesas num monitor.
Tudo o que eu queria era um governo só de gente boa, presidido por uma senhora deslumbrante que cantasse tão bem ao perto como do alto do palácio do planalto.
Tudo o que eu queria era uma casa com muito chão. E ter por vizinhança gente sábia, versada nos nomes de todas as coisas que habitam a mata em nosso redor. Sentados à sombra da única árvore sem palavra certa, teríamos intermináveis discussões sobre sinónimos qualificativos e descritivos de cheiros vários, ouviríamos atentos as diferenças entre sons nomeados por palavras homófonas.
Então passariam duas aranhas armadeiras escoltando uma caranguejeira com uma sacola fechada debaixo do braço. É aquela hora do dia, comentaria uma anciã. E regressaríamos todos às barrigas das respectivas primatas. A caminho do mar.

Popular posts from this blog

"Estamos em Seca!"

"Estamos em Seca", Cartaz da Thames Waters, Londres Abril de 2012 (foto de Delemere Lafferty ) Danças da Chuva: Austeridade e Abundância Para Todos (Maio, 2012) O que se passa com a água em Inglaterra ajuda-me a entender o que significa austeridade, a necessidade que temos dela e algumas das suas contradições.  Tal como nas economias europeias, a chuva continua a cair, mas não chega onde é preciso. Ao contrario das economias europeias, não existem sistemas financeiros com que se conta para regular a necessária redistribuição e racionalização de recursos. Por isso faz-se uso de campanhas e leis que são iguais para todos. Talvez este exemplo nos esteja a mostrar um caminho melhor. Abril de 2012 foi o Abril mais chuvoso de que há memória meteorológica em Inglaterra ou seja, desde 1910 . Em algumas regiões houve dias que mais do que duplicaram os anteriores recordes de pluviosidade. E mesmo assim, grande parte do país tem estado e continua a estar oficialmen...

Three steps for inverse hindsighting

Guess: What word was the most used by the Prime Minister, the police chiefs and the News Co heir in the parliamentary sessions about the phone hacking scandal? Without a proper count I would bet on 'hindsight'. At least I am sure that in the last couple of days I've heard it much more than it is usual. Cameron, the Sheriffs and the Murdochs, they all used it several times in the select committees and in the House of Commons. It is a good word and it has proved handy. I looked it up. It means “recognition of the realities, possibilities, or requirements of a situation, event, decision etc., after its occurrence”. Check. They’ve all deployed 'hindsight' according to its exact definition. But can one be a bit more daring? Like, I can give you some hindsight for the future.... Or: Now it is time to start thinking with future hindsight.... Mmm, it might not work. Maybe the best is to avoid the word altogether. So let’s try three easy steps for not having to use 'hi...

The boy and the soldiers

Sitting on the riverbank I watch what floats by. The stream brings a child sitting on a hospital bed. He must be 12, about my son’s age. A bandage hangs from his left shoulder where his arm should be. He cries conpulsively, in a foreign language, so I can only imagine what he is saying. His wailing reminds me of phantom pain, and the tearful words seem to mourn the sudden amputation of his childhood, possibly performed without anaesthetic. But then I realise that his cries may refer to a deeper pain. Maybe the blast that took his arm also took his mum. Maybe all his family, as many in Gaza these days. Before this story enters into a loop, I flick it away with my thumb, making the stream move forward. Another image stops in front of me. Three young men on a desert road dance to Staying Alive by Bee Gees. Their faces look very familiar to me. But it’s not easy to see their faces. They are partially covered with helmets and their bodies are surrounded by military gear. They don’t sp...