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Saliva

Todos os dias Julian Kepler se veste de azul e se entrega ao estranho hábito de deglutir argolas de fumo, ou gotas de orvalho dependendo da saúde dele e do índice nasdaq. Todos os anos por esta altura, reparou ele do alto dos seus trinta e um anos, o tempo aquece e os saltos dos sapatos ganham um centímetro de altura.
















No fundo do quintal, alguém se esqueceu de sair e ficou acordado junto ao portão contando as pétalas brancas à medida que elas despontavam na árvore das palavras. Sem direcção, os olhos postos nos objectivos repetidos do ser, em aldeias brancas como a neve que nunca lá caiu e nas suas calçadas gastas dos beijos desperdiçados por casais desavindos. Sem medo de desenrolar o corpo pelo caminho, músicos surdos, escritores bloqueados, bêbados abstémios, todos vieram para a grande reunião dos encalhados. O dia começava a demolir a arquitectura de luz construída com tanto trabalho, a desmontar o palco e todos os desmandos que fez no caminho.















Sou um átomo, uma mole, uma molécula, um aglomerado de vazios que nada encontra em seu redor. Em cada pedaço de mim há um bocado de sêde pronta a desenrolar-se como uma língua seca desesperada, procurando o caminho pelos cantos claustrofóbicos do teu quarto. Sem desejo, sem desenhos de cabelos desalinhados, líquidos derramados, sabemos que a luz não voltará. O aquecimento local perde o passo nas águas desarrumadas pela sua própria perturbação. A chuva fechou a porta e deitou a chave na sarjeta. Para garantir que continuo preso a este claustro, mantenho a vigilância apertada na janela. A dor que percorre o meu corpo, deixo-a passar, deixo-a espalhar-se pelos cantos da minha boca, deixo-a viajar serena. Assisto à competição paralela entre os candeeiros dos caminhos que percorrem o espaço à tua volta e o que espalha um cone de luz na minha mesa. Sabemos quais as prisões que se desfazem com um toque de dedo. Então porque nos deixamos prender a vícios, a paixões, a lições, porque deixamos que nos encurralem grades tão mais frágeis do que fios de aranha?

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Em Boa Hora

Não que eu tenha vindo para o Brasil a banhos... Não que eu não estivesse já avisado para o frio outonal do planalto Curitibano. Aqui estamos a mil metros de altitude e a temperatura é muitas vezes 10 graus abaixo da das zonas ao nível do mar, mesmo as que ficam mais a Sul. Não que eu não soubesse já dos caprichos do clima desta região. Mas custou encarar. Depois de um fim de semana a derreter, felizmente na praia de Matinhos, e de um feriado de quarta-feira passado na água gelada de uma nascente aqui em Curitiba, na quinta-feira o céu decidiu desabar sobre a cidade. E ainda não parou. Nas primeiras horas ainda com tempo quente. Mas entretanto a temperatura desceu em queda livre e estou agora mais frio do que Londres... Mas, pensando bem, veio em boa hora esta oportunidade para ficar na minha, abrigado, sossegado, sem ceder a tentações cervejísticas, cachacísticas ou musicais. "Eu não quero sair, hoje eu vou ficar queto, não adianta insistir, eu não vou no boteco..." É melhor...

Nós

Logo no início d este artigo , Miguel Sousa Tavares revela o grande equívoco que fundamenta o seu pensamento peçonhento sobre colonialidade. Num comentário lateral, MST critica o escritor Cabo-verdiano Mário Lúcio pelo seu ‘fraco uso desta extraordinária língua que lhe deixámos em herança’. Independentemente do que se ache sobre as qualidades literárias do texto ‘Como está-tua ex-celência? ‘, para MST o autor Cabo-verdiano escreve numa língua que a sua tribo herdou da ’nossa’ tribo. MST sente-se parte de um ‘nós’ especial, constituído pela história para avaliar o uso que ‘eles’ fazem do legado que ‘nós’ espalhámos pelo mundo. É como se hoje a língua pertencesse a Tavares mais do que pertence a Lúcio, tendo este de ter especial cuidado com a forma como a usa. Enebriado por imaginar-se nessa posição de autoridade, MST prossegue no seu tom habitual, demolindo tudo menos estátuas. E nem sequer repara MST na contradição em que cai poucas linhas depois. A história é nossa e não deles ...

Of Dames and Baronesses

Never call a baroness, dame Or the other way around You will offend both Along with a taxonomy Honed through years Of meticulous study Notice how the dame slides While the baroness slithers One withers The other wears out Pay attention to dames They are more subtle Restrained Domestic Beware of baronesses They will reproach you Tame you And then dance with the curtains When the dame is lost for words The baroness will produce the right statement When the baroness looses control The dame will bring her to her senses One is not better than the other Nor higher Nor more sophisticated Nor even more evolved They are just different And when you miss human differences You are less human yourself