Skip to main content

Saliva

Todos os dias Julian Kepler se veste de azul e se entrega ao estranho hábito de deglutir argolas de fumo, ou gotas de orvalho dependendo da saúde dele e do índice nasdaq. Todos os anos por esta altura, reparou ele do alto dos seus trinta e um anos, o tempo aquece e os saltos dos sapatos ganham um centímetro de altura.
















No fundo do quintal, alguém se esqueceu de sair e ficou acordado junto ao portão contando as pétalas brancas à medida que elas despontavam na árvore das palavras. Sem direcção, os olhos postos nos objectivos repetidos do ser, em aldeias brancas como a neve que nunca lá caiu e nas suas calçadas gastas dos beijos desperdiçados por casais desavindos. Sem medo de desenrolar o corpo pelo caminho, músicos surdos, escritores bloqueados, bêbados abstémios, todos vieram para a grande reunião dos encalhados. O dia começava a demolir a arquitectura de luz construída com tanto trabalho, a desmontar o palco e todos os desmandos que fez no caminho.















Sou um átomo, uma mole, uma molécula, um aglomerado de vazios que nada encontra em seu redor. Em cada pedaço de mim há um bocado de sêde pronta a desenrolar-se como uma língua seca desesperada, procurando o caminho pelos cantos claustrofóbicos do teu quarto. Sem desejo, sem desenhos de cabelos desalinhados, líquidos derramados, sabemos que a luz não voltará. O aquecimento local perde o passo nas águas desarrumadas pela sua própria perturbação. A chuva fechou a porta e deitou a chave na sarjeta. Para garantir que continuo preso a este claustro, mantenho a vigilância apertada na janela. A dor que percorre o meu corpo, deixo-a passar, deixo-a espalhar-se pelos cantos da minha boca, deixo-a viajar serena. Assisto à competição paralela entre os candeeiros dos caminhos que percorrem o espaço à tua volta e o que espalha um cone de luz na minha mesa. Sabemos quais as prisões que se desfazem com um toque de dedo. Então porque nos deixamos prender a vícios, a paixões, a lições, porque deixamos que nos encurralem grades tão mais frágeis do que fios de aranha?

Popular posts from this blog

"Estamos em Seca!"

"Estamos em Seca", Cartaz da Thames Waters, Londres Abril de 2012 (foto de Delemere Lafferty ) Danças da Chuva: Austeridade e Abundância Para Todos (Maio, 2012) O que se passa com a água em Inglaterra ajuda-me a entender o que significa austeridade, a necessidade que temos dela e algumas das suas contradições.  Tal como nas economias europeias, a chuva continua a cair, mas não chega onde é preciso. Ao contrario das economias europeias, não existem sistemas financeiros com que se conta para regular a necessária redistribuição e racionalização de recursos. Por isso faz-se uso de campanhas e leis que são iguais para todos. Talvez este exemplo nos esteja a mostrar um caminho melhor. Abril de 2012 foi o Abril mais chuvoso de que há memória meteorológica em Inglaterra ou seja, desde 1910 . Em algumas regiões houve dias que mais do que duplicaram os anteriores recordes de pluviosidade. E mesmo assim, grande parte do país tem estado e continua a estar oficialmen...

Minute nods

Life in the city is made possible by a fragile web of mutual trust, though a filigree of unspoken pleasantries, and an intricate meshwork of altruistic gestures. A permanent exchange of mute interrogations and minute nods between strangers forms a complex language that ensures the common conditions for survival. Of course we can see bodies looking past other bodies, trying to walk though, overtake, get there before them, without knowing very well where exactly is there, or whether there is in fact a desired place, or if what there is to do there is actually what needs doing. But that is always what is emphasised when talking about the city, isn't it, the rat race. It's a gross version of urban metabolism in which life and its processes are reduced to competition between contained unities, as if one had just arrived from a rushed reading of the theory of evolution and had forgotten how life is sustained by a convuluted tangle of symbiotic connections with other animals, pla...

Bodies and media

The circulation of abstract values through global interconnected networks sprawls on the back of the possibility of transporting information independently from its bodily carriers (Bauman, 1998: 14). It is, then, an apparent contradiction that the development in technologies of information and communication has so far contributed to bring people closer to each other. There have never been so many people living in so many and so dense cities as today. Inside most of those cities, financial districts develop and concentrate agents and functions of different markets. We tend to think that the functions of the new economy could be performed at distance. Even if those markets deal with abstract commodities, abstract risks, or serve abstract forms of capital, the actors and the networks through which they connect are real and material, and it takes time and energy to transport through space the people and materials with which they deal. Moreover, the means of transporting people, objects, in...