(Stop Complaining and Work, but it is)
Pergunta-me o Douglas - um escocês que está aqui em Londres a trabalho - se eu sinto falta de Portugal. Claro que sim. Sinto muita, muitas vezes. Mas também gosto muito de viver cá. Quando eu digo, Gosto, não estou a mostrar o quanto pertenço a este sítio. Para se ser de um sítio, tem de se ser também capaz de dizer mal desse sítio. Numa cidade é mais fácil sentirmo-nos em casa. Podemos queixar-nos dos preços das casas, dos atrasos dos transportes públicos, de como um pequeno nevão é suficiente para fazer parar os comboios, do calor no metro, da falta de condições para as crianças ou do barulho das crianças, das construções que despejam emigrantes ou dos outros emigrantes que ameaçam o nosso espaço.
Pergunta-me o Douglas - um escocês que está aqui em Londres a trabalho - se eu sinto falta de Portugal. Claro que sim. Sinto muita, muitas vezes. Mas também gosto muito de viver cá. Quando eu digo, Gosto, não estou a mostrar o quanto pertenço a este sítio. Para se ser de um sítio, tem de se ser também capaz de dizer mal desse sítio. Numa cidade é mais fácil sentirmo-nos em casa. Podemos queixar-nos dos preços das casas, dos atrasos dos transportes públicos, de como um pequeno nevão é suficiente para fazer parar os comboios, do calor no metro, da falta de condições para as crianças ou do barulho das crianças, das construções que despejam emigrantes ou dos outros emigrantes que ameaçam o nosso espaço.
Já na relação com
o país, o estado e a nação, a coisa é um pouco diferente. Questionar os
símbolos e a história de um país, ou votar para as eleições legislativas são
prerrogativas de um cidadão de pleno direito. Para um emigrante se tornar
cidadão de pleno direito terá de responder a um questionário em que, mais do
que o conhecimento, é testada a adesão cega a uma série de princípios culturais
nacionalistas. Esses princípios são largamente escarnecidos por muitos
nacionais como, por exemplo, certas ideias da monarquia, ou de etiqueta nacional, mas
nós temos de os recitar para sermos reconhecidos como cidadãos.
Quando me sinto
limitado na minha liberdade de me queixar do lugar onde vivo sinto saudades do
lugar de onde sou. Se não estás bem, o que é que estás aqui a fazer? Quem és tu
para falar da Thatcher? Tu nem estavas cá quando ela foi primeira ministra. Tu
nem imaginas. Deve ser melhor no teu país de preguiçosos. Sois como os gregos, quereis é sesta, como os espanhóis. Se
não nos dizem estas coisas, acabamos nós a pensá-las. É o lado trágico, mais ou
menos impotente, da condição de imigrante.
Ora, dá-se o caso de que em Portugal também nos disseram para irmos procurar a sorte em
outro lugar. Se não víamos oportunidades no sítio onde calhou de termos nascido, que emigrássemos. Oportunidades há, só que são poucas e é para quem as vê: os
empreendedores. Para quem não as vê, que tivessem ao menos a determinação e a coragem necessárias
para as ir encontrar num sítio novo. Disseram isto, mais ou menos. O primeiro ministro
aos professores, o segundo ministro com uma folha de cálculo na mão, o terceiro
ministro nos seus impulsos jovens, e disse ainda o ministro dos negócios com
o estrangeiro, ainda antes de o ser. Numa conversa particular, estas coisas até
poderiam fazer muito sentido, se ditas a certas pessoas. Olha, a mim por
exemplo. Larga as queixas e faz-te forte. FAz-te à sorte. A crise pode ser uma oportunidade
para fazeres coisas novas. Emigra, se vês a coisa mal parada. Remigra
se vires as portas a fechar, ou se não gostas de casamentos principescos e
jubileus extravagantes. Ou se te assustam funerais tão caros, tão caros, que
põem o ministro das finanças a chorar em frente às câmaras. Se não gostas, vai para
a tua terra. Ou para outra, que não esta. Podem dizer-me estas coisas e eu poderei
contra-argumentar. Mas um governante dizer coisas destas à comunidade
que governa, uma comunidade que é crescentemente desigual e cada vez mais necessitada de se fazer colectiva, dizê-lo,
dizia eu, como se o dissesse a um indivíduo em particular, isso é completamente
deslocado. Inexplicavelmente estúpido, eu diria. Embora possa soar bem. E,
depois, ainda dirão de quem emigrou que não pode agora vir queixar-se da terra
que abandonou. 30 milhões de emigrantes? Dois deputados pela Europa e mais
dois a representar os de fora da Europa e está o caso encerrado. Já somos
demais para dividir a sardinha. E o cherne esgotou. Quando voltares, voltaremos a pescar juntos.
Quando eu não
puder queixar-me, é mesmo melhor emigrar. Mas tem de haver um sítio de onde
somos. Um lugar em que, se nos queixarmos de uma coisa, podem responder-nos de
muitas formas diferentes. Podem dizer-nos, Estás enganado o que precisamos é que assumas riscos e tentes ser produtivo, ou , Tens
razão, vamos ver o que se pode fazer, ou, É mesmo isso, são uns bandidos ou
então, podem perguntar, O que é que podemos fazer para mudarmos as coisas? - mas nunca,
mesmo nunca, nos diriam, Se não estás bem muda-te. Esse lugar é normalmente a cidade. Raramente, o país.