Skip to main content

Este tempo em que o ultraje é o principal mecanismo de amplificação de mensagens ultrajantes

Um fadista de boa voz mas duvidoso talento escreveu na sua pagina de facebook um comentário racista, homofóbico, e ignorante (passe a redundância). O pessoal reagiu revoltado, ultrajado, levando o autor do comentário inicial a nova posta, desta vez com leitores em número multiplicado, insultando os que o criticarem de não serem tolerantes com a sua opinião. O Público publicou um texto sobre a "notícia", citando uma entrevista à revista Flash onde o fadista confirma o seu racismo e homofobia dizendo que as reacções provêm de pessoas que "saltam dos armários ou saltam das cubatas".
Ora a única coisa que se ganhou com esta polémica foi ficar a saber que o fadista João Braga é também um idealista nostálgico que sonha com um tempo em que os negros viviam em cubatas e os homossexuais tinham de esconder a sua sexualidade em 'armários' secretos. É muito pouco ganho para a disseminação da sua mensagem que as reacções provocaram. Não se espera que a formalização das queixas traga qualquer sanção de efeito substantivo. Também não é provável que provoque algum acto de introspecção do fadista ou daqueles que, agora com maior probabilidade, possam  entrar em contacto com a sua peculiar perspectiva sobre escravatura, relações raciais, liberdade sexual, e liberdade de expressão.
Mas mesmo assim é irresistível escrever, reagir, e ao fazê-lo, partilhar, multiplicar audiências, e transportar uma perspectiva odiosa, anti-humanista e insidiosa para partes da esfera pública onde ela pode encontrar forma de germinar. Como é intrincado este dilema do tempo em que o ultraje se torna o principal aliado do ultrajante!

Popular posts from this blog

"Estamos em Seca!"

"Estamos em Seca", Cartaz da Thames Waters, Londres Abril de 2012 (foto de Delemere Lafferty ) Danças da Chuva: Austeridade e Abundância Para Todos (Maio, 2012) O que se passa com a água em Inglaterra ajuda-me a entender o que significa austeridade, a necessidade que temos dela e algumas das suas contradições.  Tal como nas economias europeias, a chuva continua a cair, mas não chega onde é preciso. Ao contrario das economias europeias, não existem sistemas financeiros com que se conta para regular a necessária redistribuição e racionalização de recursos. Por isso faz-se uso de campanhas e leis que são iguais para todos. Talvez este exemplo nos esteja a mostrar um caminho melhor. Abril de 2012 foi o Abril mais chuvoso de que há memória meteorológica em Inglaterra ou seja, desde 1910 . Em algumas regiões houve dias que mais do que duplicaram os anteriores recordes de pluviosidade. E mesmo assim, grande parte do país tem estado e continua a estar oficialmen...

Em Boa Hora

Não que eu tenha vindo para o Brasil a banhos... Não que eu não estivesse já avisado para o frio outonal do planalto Curitibano. Aqui estamos a mil metros de altitude e a temperatura é muitas vezes 10 graus abaixo da das zonas ao nível do mar, mesmo as que ficam mais a Sul. Não que eu não soubesse já dos caprichos do clima desta região. Mas custou encarar. Depois de um fim de semana a derreter, felizmente na praia de Matinhos, e de um feriado de quarta-feira passado na água gelada de uma nascente aqui em Curitiba, na quinta-feira o céu decidiu desabar sobre a cidade. E ainda não parou. Nas primeiras horas ainda com tempo quente. Mas entretanto a temperatura desceu em queda livre e estou agora mais frio do que Londres... Mas, pensando bem, veio em boa hora esta oportunidade para ficar na minha, abrigado, sossegado, sem ceder a tentações cervejísticas, cachacísticas ou musicais. "Eu não quero sair, hoje eu vou ficar queto, não adianta insistir, eu não vou no boteco..." É melhor...

Nós

Logo no início d este artigo , Miguel Sousa Tavares revela o grande equívoco que fundamenta o seu pensamento peçonhento sobre colonialidade. Num comentário lateral, MST critica o escritor Cabo-verdiano Mário Lúcio pelo seu ‘fraco uso desta extraordinária língua que lhe deixámos em herança’. Independentemente do que se ache sobre as qualidades literárias do texto ‘Como está-tua ex-celência? ‘, para MST o autor Cabo-verdiano escreve numa língua que a sua tribo herdou da ’nossa’ tribo. MST sente-se parte de um ‘nós’ especial, constituído pela história para avaliar o uso que ‘eles’ fazem do legado que ‘nós’ espalhámos pelo mundo. É como se hoje a língua pertencesse a Tavares mais do que pertence a Lúcio, tendo este de ter especial cuidado com a forma como a usa. Enebriado por imaginar-se nessa posição de autoridade, MST prossegue no seu tom habitual, demolindo tudo menos estátuas. E nem sequer repara MST na contradição em que cai poucas linhas depois. A história é nossa e não deles ...