«Dá licenss. A voz empurrava o espaço dentro, criava assunto.
O que se passa, ó vizinho?, perguntou o do nono.
Se passa o problema de morar. Quando se mora, tudo fica perto. Um prédio é uma casa só, inteira de única. Todos no prédio, são noivos do mesmo espaço. Matrimoniados pelo mesmo habitar. Acredite, a vizinhança é um casamento. Veja lá: os quartos adormecem encostados uns aos outros. Os filhos dos vizinhos gritamos-lhes ralhando com os nossos. Nos cheiros provamos a comida alheia antes de ela ser servida lá, na respectiva casa. Somos os dois lados da parede, um e outro, não acha?
E porquê esta toda introdução, meu amigo?
É que é por causa disso, por causa dessa introdução, que eu estou aqui, vizinho.
Então veio a minha casa por causa de uma introdução?
Calma, eu explico: esse seu pilão, no nono andar, barulha até lá no chão. É um barulho: até doenta-nos os ouvidos. Tunc, tunc, tunc… É de mais, parece que estão a pilar a cabeça da gente. A nossa paciência, vizinho, está nos últimos grãos. Desculpa-me, mas eu tenho que lhe fazer esta autocrítica.
O homem do nono andar aceitou a queixa, razão dos incómodos sonoros. E explicou, apontando a menina: a pilosa é a minha sobrinha. Mas tem que ser, desculpe. A farinha toda moemos aqui em casa. Não pilamos por gosto...."
MIa Couto, O Pilão do Nono Andar