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Nós

Logo no início deste artigo, Miguel Sousa Tavares revela o grande equívoco que fundamenta o seu pensamento peçonhento sobre colonialidade. Num comentário lateral, MST critica o escritor Cabo-verdiano Mário Lúcio pelo seu ‘fraco uso desta extraordinária língua que lhe deixámos em herança’. Independentemente do que se ache sobre as qualidades literárias do texto ‘Como está-tua ex-celência?‘, para MST o autor Cabo-verdiano escreve numa língua que a sua tribo herdou da ’nossa’ tribo. MST sente-se parte de um ‘nós’ especial, constituído pela história para avaliar o uso que ‘eles’ fazem do legado que ‘nós’ espalhámos pelo mundo. É como se hoje a língua pertencesse a Tavares mais do que pertence a Lúcio, tendo este de ter especial cuidado com a forma como a usa. Enebriado por imaginar-se nessa posição de autoridade, MST prossegue no seu tom habitual, demolindo tudo menos estátuas. E nem sequer repara MST na contradição em que cai poucas linhas depois. A história é nossa e não deles mas só até se falar de escravidão. Aí, quem ouve os ecos do passado são eles. O Nós presente não tem nada a haver nem a dever a esse passado. Os nós de Tavares não o atam ao passado esclavagista. Quem deveria escutar esses ecos do passado seriam os dirigentes africanos que são os verdadeiros continuadores da escravização transatlântica. Nós (chamemos-lhe Nós, os Tavares) continuamos a receber bem os ingratos africanos que vêm para a Europa dizer mal do nosso país. E se o Mário Lúcio nem português é, a Joacine Katar Moreira, por sê-lo, não deixa de ser apontada no final como mais uma ingrata africana que decepcionou a hospitalidade e a grandeza que emana desse ‘nós’ exclusivo, purificado e ungido. Nós, os Tavares, não mandamos os negros para as suas terras como esse vilão do Ventura. Não! Nós, os Tavares, somos bonzinhos, liberais e superiores. Somos superiores aos Venturas racistas e aos Africanos ingratos. Nós, os Tavares continuaremos a dialogar com uns e a receber bem os outros, mas sempre vigiando-os para que não desbaratem a herança que lhes deixámos.

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“So it was I had my first experience with the Accelerator. Practically we had been running about and saying and doing all sorts of things in the space of a second or so of time. (…) But the effect it had upon us was that the whole world had stopped for our convenient inspection.” H.G.Wells, 1901, The New Accelerator in Modern Short Stories, The growth of cities has created bigger opportunities for (and was in many ways led by) the production of new needs. With consequent increase in waste production. Part of this waste is the result of consumption: composed by materials and objects that were destroyed by human use or have decayed over time. But an increasing part of this waste is generated through symbolic processes, i.e., created by the production of consumption, by industries whose main products are new forms of desire. Since innovation is the main drive of economy, commodities are produced for worlds that do not exist yet, worlds which they will help shape. This power of transforma

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