Skip to main content

Em Boa Hora



Não que eu tenha vindo para o Brasil a banhos... Não que eu não estivesse já avisado para o frio outonal do planalto Curitibano. Aqui estamos a mil metros de altitude e a temperatura é muitas vezes 10 graus abaixo da das zonas ao nível do mar, mesmo as que ficam mais a Sul. Não que eu não soubesse já dos caprichos do clima desta região. Mas custou encarar. Depois de um fim de semana a derreter, felizmente na praia de Matinhos, e de um feriado de quarta-feira passado na água gelada de uma nascente aqui em Curitiba, na quinta-feira o céu decidiu desabar sobre a cidade. E ainda não parou. Nas primeiras horas ainda com tempo quente. Mas entretanto a temperatura desceu em queda livre e estou agora mais frio do que Londres... Mas, pensando bem, veio em boa hora esta oportunidade para ficar na minha, abrigado, sossegado, sem ceder a tentações cervejísticas, cachacísticas ou musicais.
"Eu não quero sair, hoje eu vou ficar queto, não adianta insistir, eu não vou no boteco..." É melhor parar de cantar pois sempre que esta música me vem à cabeça, acabo a cantá-la na rua. É como a famosa "saideira". "Garçon, a saideira, por favor". A última cerveja antes de ir embora, acaba sempre por ser uma de muitas saideiras, enquanto as conversas se prolongam junto aos cascos alinhados na mesa.
Mas esta chuva torna tudo mais definitivo. Por isso vou aproveitar para adiantar um trabalho que me comprometi a fazer em Londres e que tenho carregado às costas sem o aligeirar durante estas semanas.
Hoje apenas tive de sair para encontrar a realizadora de um filme de ficção sobre catadores de papelão que estreou no final do ano passado. Descobri o seu contacto graças ao facebook, marcámos uma hora para hoje e tive mesmo de comparecer pois a sua agenda é muito complicada. E em boa hora o fiz, pois tivemos uma conversa muito interessante e muito valiosa para a minha pesquisa.
A minha outra distracção, para além da simpatia dos meus anfitriões tem sido a leitura, a princípio perra mas compensadora, de um livro de contos de Guimarães Rosa. Depois de mil vezes recomendado - pelo Aécio, pelo Chico Buarque, pelo professor Porto-Gonçalves, pela Fabiana - tive mesmo de encarar. E em boa hora o fiz, já que, para além das muitas pérolas de conhecimento profundo de uma realidade distante, da cultura rural do Brasil, da forma poética como é reproduzido o linguajar da gente que conhece o corpo da terra pelos seus sinais (como dizia o Carlos Tê), descobri que o estilo Mia Couto não o é. Sem desprimor pelo seu talento e pela sua capacidade de contar histórias, que é inigualável em dois dos seus livros, a verdade é que Mia Couto decalcou de forma bastante próxima o estilo deste escritor brasileiro falecido em 1967 com 59 anos. Quando acabar este vou encarar o Grande Sertão Veredas. Mas por agora, de volta ao meu estudo da produção siderúrgica brasileira... Com sol e cravos vermelhos na cabeça.

Popular posts from this blog

Of Dames and Baronesses

Never call a baroness, dame Or the other way around You will offend both Along with a taxonomy Honed through years Of meticulous study Notice how the dame slides While the baroness slithers One withers The other wears out Pay attention to dames They are more subtle Restrained Domestic Beware of baronesses They will reproach you Tame you And then dance with the curtains When the dame is lost for words The baroness will produce the right statement When the baroness looses control The dame will bring her to her senses One is not better than the other Nor higher Nor more sophisticated Nor even more evolved They are just different And when you miss human differences You are less human yourself

The boy and the soldiers

Sitting on the riverbank I watch what floats by. The stream brings a child sitting on a hospital bed. He must be 12, about my son’s age. A bandage hangs from his left shoulder where his arm should be. He cries conpulsively, in a foreign language, so I can only imagine what he is saying. His wailing reminds me of phantom pain, and the tearful words seem to mourn the sudden amputation of his childhood, possibly performed without anaesthetic. But then I realise that his cries may refer to a deeper pain. Maybe the blast that took his arm also took his mum. Maybe all his family, as many in Gaza these days. Before this story enters into a loop, I flick it away with my thumb, making the stream move forward. Another image stops in front of me. Three young men on a desert road dance to Staying Alive by Bee Gees. Their faces look very familiar to me. But it’s not easy to see their faces. They are partially covered with helmets and their bodies are surrounded by military gear. They don’t sp...