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Showing posts from 2010

Saliva

Todos os dias Julian Kepler se veste de azul e se entrega ao estranho hábito de deglutir argolas de fumo, ou gotas de orvalho dependendo da saúde dele e do índice nasdaq . Todos os anos por esta altura, reparou ele do alto dos seus trinta e um anos, o tempo aquece e os saltos dos sapatos ganham um centímetro de altura. No fundo do quintal, alguém se esqueceu de sair e ficou acordado junto ao portão contando as pétalas brancas à medida que elas despontavam na árvore das palavras. Sem direcção, os olhos postos nos objectivos repetidos do ser, em aldeias brancas como a neve que nunca lá caiu e nas suas calçadas gastas dos beijos desperdiçados por casais desavindos. Sem medo de desenrolar o corpo pelo caminho, músicos surdos, escritores bloqueados, bêbados abstémios, todos vieram para a grande reunião dos encalhados. O dia começava a demolir a arquitectura de luz construída com tanto trabalho, a desmontar o palco e todos os desmandos que fez no caminho. Sou um átomo, uma mole, uma molécul

The History of Words

Before words, each person's thoughts could develop freely without the intervention of strangers’. If someone liked an other, a warm gesture would blossom. Fear would make them fight or flee. Or both. The idea of making love with words or of using them to express differences was something people could not even conceive. Before words we were real individuals. People’s thoughts could be influenced by other people’s actions, but only as long as they were co-present. As soon as they went apart they were free from each other's influence. People could teach other people to do things but only by doing them. One could never ‘teach’ a task if one was unable to perform it. Then some genius invented words. Molotov, his name, was the first word he created. It was a small ingenious device, bottle-shaped, that could encapsulate his idea of himself and explode inside other people’s thoughts. Excited with the first trials of the new invention, he started building new similar devices. One day hi

Love Thy Neighbour II - Amor ao Próximo

«Dá licenss. A voz empurrava o espaço dentro, criava assunto. O que se passa, ó vizinho?, perguntou o do nono. Se passa o problema de morar. Quando se mora, tudo fica perto. Um prédio é uma casa só, inteira de única. Todos no prédio, são noivos do mesmo espaço. Matrimoniados pelo mesmo habitar. Acredite, a vizinhança é um casamento. Veja lá: os quartos adormecem encostados uns aos outros. Os filhos dos vizinhos gritamos-lhes ralhando com os nossos. Nos cheiros provamos a comida alheia antes de ela ser servida lá, na respectiva casa. Somos os dois lados da parede, um e outro, não acha? E porquê esta toda introdução, meu amigo? É que é por causa disso, por causa dessa introdução, que eu estou aqui, vizinho. Então veio a minha casa por causa de uma introdução? Calma, eu explico: esse seu pilão, no nono andar, barulha até lá no chão. É um barulho: até doenta-nos os ouvidos. Tunc, tunc, tunc… É de mais, parece que estão a pilar a cabeça da gente. A nossa paciência, vizinho, está nos últimos

Strings

Londoners

Choro Curitibano

Brazilian Portuguese

I am already in London but I have an overdue blog post from the other hemisphere. In English. About the Portuguese language. One of the small spontaneous research projects I conducted during my stay in Brazil was to take note of where from people thought I was. The other one was to record the first thing that they referenced about Portugal as soon as they knew my nationality. As for the first one, I had various experiences. One person guessed, after hearing me and my Brazilian friend, who was unconsciously trying to use some of my Portuguese expressions, that we were from Santa Catarina. This neighbour state has a strong Portugese presence, especially from Azores. In rapid interactions, especially when I forced the Brazilian accent in order to be better understood, the confusion was bigger. I overheard two shop assistants arguing about whether I was Argentinean, two security guards sentencing, He’s French, and I was confronted with the odd question, Are you Italian. In this respect, we

"ORIENTACIÓN DE LOS GATOS

Cuando Alana y Osiris me miran no puedo quejarme del menor disimulo, de la menor duplicidad. Me miran de frente, Alana su luz azul y Osiris su rayo verde. También entre ellos se miran así, Alana acariciando el negro lomo de Osiris que alza el hocico del plato de leche y maúlla satisfecho, mujer y gato conociéndose desde pianos que se me escapan, que mis caricias no alcanzan a rebasar. Hace tiempo que he renunciado a todo dominio sobre Osiris, somos buenos amigos desde una distancia infranqueable; pero Alana es mi mujer y la distancia entre nosotros es otra, algo que ella no parece sentir pero que se interpone en mi felicidad cuando Alana me mira, cuando me mira de frente igual que Osiris y me sonríe o me habla sin la menor reserva, dándose en cada gesto y cada cosa como se da en el amor, allí donde todo su cuerpo es como sus ojos, una entrega absoluta, una reciprocidad ininterrumpida. Es extraño, aunque he renunciado a entrar de lleno en el mundo de Osiris, mi amor por Alana no acepta

Letras de Luz

Tudo o que eu queria hoje era andar sobre nuvens, acordar numa atmosfera urdida por bichos da seda, nadar num mar de gatos, um milhão de ronronos de veludo, sair voando pela janela. Tudo o que eu queria era saber manejar todos os pesos do mundo como o carrinheiro que salta do topo da montanha de 400 kg elevando o carrinho antes de aterrar no chão. Tudo o que eu queria era ser leve. E ser levado por um balão ou zepelin, dos muitos que se erguem do chão a toda a hora. Sempre que tento agarrar um, transformo-me em lastro e ficamos os dois ardendo no chão. A menos que eu largue a corda e o deixe ir para longe. Sonhos escritos são diferentes de sonhos contados. Como palavras embrulhadas num envelope são diferentes de palavras acesas num monitor. Tudo o que eu queria era um governo só de gente boa, presidido por uma senhora deslumbrante que cantasse tão bem ao perto como do alto do palácio do planalto. Tudo o que eu queria era uma casa com muito chão. E ter por vizinhança gente sábia, versad

Gentileza

Fiquei muito entusiasmado com o facto de o Professor Carlos Walter Porto-Gonçalves ter respondido de forma generosa a um email que lhe enviei após a sua palestra. E ainda teve a disponibilidade para ler o meu texto neste blog e enviar-me as informações que eu não tinha anotado. Aqui vão: "...Quanto á comunidade a que fiz referência em minha conferência em Curitiba, Francisco, trata-se de uma comunidade maya de fala tojolabal que habita a região de Chiapas, no México. O filósofo a que a comunidade faz referência e que queria aprender com ela é Carlos Lekensdorf autor de Filosofar en clave Tojolabal, publicado em 2008 pela UNAM. Vale a pena ler." Vou procurar.

Guerra em Curitibabylon

"Meu caro amigo eu não pretendo provocar Nem atiçar suas saudades Mas acontece que não posso me furtar A lhe contar as novidades Aqui na terra tão jogando futebol Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll Uns dias chove, noutros dias bate sol Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta": Com muita música do Chico senão também ninguém segura esse rojão: "Curitiba é três vezes mais violenta que São Paulo. E empata com o Rio" Hoje na Gazeta do Povo

Feira de Filhotes

Toda o final de semana numa loja de ração perto de si....

Em Boa Hora

Não que eu tenha vindo para o Brasil a banhos... Não que eu não estivesse já avisado para o frio outonal do planalto Curitibano. Aqui estamos a mil metros de altitude e a temperatura é muitas vezes 10 graus abaixo da das zonas ao nível do mar, mesmo as que ficam mais a Sul. Não que eu não soubesse já dos caprichos do clima desta região. Mas custou encarar. Depois de um fim de semana a derreter, felizmente na praia de Matinhos, e de um feriado de quarta-feira passado na água gelada de uma nascente aqui em Curitiba, na quinta-feira o céu decidiu desabar sobre a cidade. E ainda não parou. Nas primeiras horas ainda com tempo quente. Mas entretanto a temperatura desceu em queda livre e estou agora mais frio do que Londres... Mas, pensando bem, veio em boa hora esta oportunidade para ficar na minha, abrigado, sossegado, sem ceder a tentações cervejísticas, cachacísticas ou musicais. "Eu não quero sair, hoje eu vou ficar queto, não adianta insistir, eu não vou no boteco..." É melhor

Museu do Lixo

Saberes e Sabores

Chegou ao fim a minha segunda semana em Curitiba. Se a primeira foi de ambientação física à cidade, ao centro e a duas zonas da periferia onde fiquei hospedado, esta teve um forte componente académico. Foi a semana de abertura dos programas de pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná. O programa existe há pouco mais de vinte anos, começou por ser só de doutoramento e inaugura neste ano a primeira turma de mestrado. Neste aspecto, é um caso insólito na Universidade brasileira. É-o também na sua condição interdisciplinar e na sua independência de qualquer departamento. Desenrola-se no sector de ciências agrárias, entre animais e estufas, mas os docentes vêem de vários departamentos, em especial das ciências sociais e naturais. Estou inscrito no programa como aluno ‘sanduíche’, que é a formula oficial brasileira para esquemas de frequência de um aluno em outra universidade por um período intermédio. Um dos momentos altos da semana foi, sem dúvida,

Central do Brasil

Probabilidades e Divindades

Bem dizia o VG: "No momento em que aterrares no Brasil, a tua probabilidade de morrer aumentará em 20%. Pelo menos." Não sei se o número era este. Na altura pareceu-me apenas uma tirada de bar, para responder à letra a algum comentário pseudo-dramático meu, tlvez envolvendo seguros de viagem e a minha condição de pai. Mas agora entendo o que ele quis dizer. Não que eu esteja morto. Ou que o cálculo de uma percentagem transformando perigos em riscos, tão ao gosto da epistemologia das seguradoras, faça algum sentido. Aqui recorre-se mais a divindades de toda a ordem e às mais diversas formas de as invocar e peticionar. Aliás, enquanto a convivência constante com o que aprendi a encarar como ameaças endurece a pele da maioria dos brasileiros, parece-me que os faz incrivelmente vulneráveis a seres do outro mundo. Não sei se a profecia Viliana teve algum efeito inconsciente sobre a minha percepção. A verdade é que depois de 11 horas dentro de um avião que sobrevoou uma grande dia

Gambiarra

Costumamos chamar a Portugal o país do desenrasque . Em relação aos nossos vizinhos europeus, caracterizamo-nos pela capacidade do improviso e acreditamos que ela é tão apurada que compensa a pouca propensão para o planeamento. Mas o desenrasque torna-se quase uma brincadeira escandinava quando comparado com a gambiarra brasileira. Em Potugal, gambiarra refere-se mais a uma instalação eléctrica mas, deste lado do charco, tem um significado mais abrangente. Aqui no ‘novo mundo’ a escala de improviso é outra. A vida exige uma criatividade rotineira, um constante jogo de cintura ou, como se diz na capoeira, ginga . Há a gambiarra tornada prática corrente. Os esquentadores de água, por exemplo, são instalações quase artísticas: um emaranhado de fios que liga o chuveiro, por cima, a um buraco na parede ou no tecto. No topo do chuveiro há uma resistência e por todo o lado os fios eléctricos convivem em harmonia próxima com a água (e um pouco pior com a fita isoladora que tendem a derreter).

Rio, cidade do atrito.

Lentamente o rugido da cidade a acordar chega à cobertura do décimo primeiro andar na Lapa onde, faz poucas horas, adormeci. Sao nove da manhã e, apesar de hoje estar mais fresco, o calor instala-se no corpo até tornar o sono insuportável. Penso no meu primeiro açai de ontem, e na roda de samba do morro da Conceição junto da pedra do sal, na visita à comunidade da favela do Jacaré e na conversa com um velho desdentado e magro que se sentou na nossa mesa de um boteco na zona portuária e declamava Neruda e Fernando Pessoa. Parece que nada mais falta acontecer. Mas esta cidade parece que guarda surpresas a cada esquina. É um labirinto de cortinas finas que são sempre demasiado frágeis para conter a fricção entre camadas tectónicas que se esfregam sobre uma geografia natural louca produzindo energias brutais. É o que eu ouço aqui em cima: a cidade a deslocar-se lenta e perra, em fricção constante. Desde o acordar. Quando fui mergulhar no mar de Ipanema, faz dois dias, deparei-me com um e

Bodies and media

The circulation of abstract values through global interconnected networks sprawls on the back of the possibility of transporting information independently from its bodily carriers (Bauman, 1998: 14). It is, then, an apparent contradiction that the development in technologies of information and communication has so far contributed to bring people closer to each other. There have never been so many people living in so many and so dense cities as today. Inside most of those cities, financial districts develop and concentrate agents and functions of different markets. We tend to think that the functions of the new economy could be performed at distance. Even if those markets deal with abstract commodities, abstract risks, or serve abstract forms of capital, the actors and the networks through which they connect are real and material, and it takes time and energy to transport through space the people and materials with which they deal. Moreover, the means of transporting people, objects, in