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Gambiarra


Costumamos chamar a Portugal o país do desenrasque. Em relação aos nossos vizinhos europeus, caracterizamo-nos pela capacidade do improviso e acreditamos que ela é tão apurada que compensa a pouca propensão para o planeamento. Mas o desenrasque torna-se quase uma brincadeira escandinava quando comparado com a gambiarra brasileira. Em Potugal, gambiarra refere-se mais a uma instalação eléctrica mas, deste lado do charco, tem um significado mais abrangente.
Aqui no ‘novo mundo’ a escala de improviso é outra. A vida exige uma criatividade rotineira, um constante jogo de cintura ou, como se diz na capoeira, ginga.
Há a gambiarra tornada prática corrente. Os esquentadores de água, por exemplo, são instalações quase artísticas: um emaranhado de fios que liga o chuveiro, por cima, a um buraco na parede ou no tecto. No topo do chuveiro há uma resistência e por todo o lado os fios eléctricos convivem em harmonia próxima com a água (e um pouco pior com a fita isoladora que tendem a derreter).
Há também a forma como os corpos, mais as sacolas, as bolsas e os bebés que eles transportam, se adaptam à catraca. Gritando bem alto o som da palavra que o nomeia de cada vez que um cidadão paga a sua passagem no ónibus e atravessa a barreira da legalidade, o mais anti-ergonómico objecto da cena urbana brasileira, o torniquete dos autocarros, parece mais um instrumento de tortura. Aqui em Curitiba as dificuldades foram amenizadas. Em alguns pontos e linhas, a catraca e o cobrador - que sempre se senta em frente dela - foram transferidos para terra firme, tornando as tarefas de procurar dinheiro, dar e receber trocos e atravessar a estreita barreira de ferro, um pouco mais pacíficas. Ao pagar no ponto de ónibus, o passageiro evita ter de o fazer no embalo vertiginoso que os motoristas imprimem desde o momento em que as portas se fecham. A dureza das suspensões e das estradas só agrava a situação.
No Rio fiquei a saber que afinal os fornos micro-ondas são reparáveis. Por todo os lado se vêm lojas de reparação de electrodomésticos. Aqui não é mais barato deitar fora e comprar um novo. E há as demolidoras, que conheci em Curitiba: empresas que vendem objectos salvados das casas que derrubam em troca dos seus destroços.
A economia informal é rainha. Em qualquer casa pode haver uma pequena indústria artesanal, na cozinha ou em torno da máquina de costura, que emprega a família lhe dá o sustento.
O confronto entre o ethos planejador imprimido pelas sucessivas admnistrações desta cidade e a informalidade das praticas deste país, que a atravessam, é uma questão que muito me intriga.

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