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Aos papeis, a fazer correr muita tinta

No dia de Reis, estiveram frente a frente na CNN Portugal duas estrelas. De um lado A.ventura, a agora decadente estrela dos debates Presidenciais 21. Do outro Rui Tavares, a estrela em ascendência dos debates S.bento 22. Os dois homens-estrelas têm em comum serem lideres de partidos que são quase pseudónimos de si próprios, sendo ambos partidos que aparecem nos boletins de voto escritos em letras maiúsculas. Para além destas 3 coincidências, o homem-CHEGA! e o homem-LIVRE não poderiam ser mais diferentes. O debate teve muitos 'pontos altos', quase todos da responsabilidade de Tavares, mas o comentador-de-cabelo-lambido da CNN destacou aquele em que A.ventura mostrou uma folha de papel de fotocópia em branco para ilustrar o trabalho legislativo do LIVRE no combate à corrupção . ‘Um grande momento de televisão’ disse Rui Calafate antes de se recostar na cadeira com ar de satisfação pelo momento de televisão que ele próprio tinha acabado de protagonizar. Este especialista em comunicação, corrupção, e futebol não ficou tão impressionado com a forma como o outro Rui respondeu à fotocópia em branco de André. Com uma mão, o homem-LIVRE mostrou as suas próprias fotocópias, imprimidas e agrafadas, contendo todo o seu trabalho legislativo de combate à corrupção no parlamento europeu. Com a outra mão mostrou todo o programa do CHEGA! imprimido em menos páginas. Não sabemos se imprimiu ambos com a mesma fonte e espaçamento mas isso não interessa nada. Foi um grande momento televisivo, embora não tão grande quanto a folha em branco do Ventura, na opinião de quem é pago para dar opinião. Desperdício de tinta, papel, e agrafos, então. Antes de ser homem-CHEGA!, o homem-CHEGA! tinha sido também ele comentador especialista em comunicação, corrupção, e futebol. Nessa capacidade protagonizou em 2017 um outro grande momento televisivo, como nos conta Rogério Casanova numa das suas brilhantes crónicas no DN. A.ventura levou para o estúdio da CMTV, uma caixa de fotocópias supostamente contendo mais de mil folhas imprimidas a cores. Para quê? A razão para tanta tinta gasta pode ser resumida como ‘vocês dizem que eu falo do sporting, mas quem diz é quem é, e tenho aqui uma caixa com mais de mil notícias imprimidas a cores em que o Sporting fala do Benfica’. E puxa da caixa de debaixo para cima da mesa, tira a tampa, e anunciando que poderia tirar qualquer folha à sorte, querem ver?, saca de uma folha de papel. Vira-a dos dois lados… Nada. ‘Bem esta não, vou tirar outra’. Também nada. Quando, à quarta ou quinta tentativa lá conseguiu tirar uma notícia, já estavam os outro homens todos a rir. Mas o Ventura não se descompôs. Sorriu também e continuou a ler os títulos das notícias que saíam da caixa como um homem com uma missão a cumprir. ‘Um grande momento de televisão’, ironiza Casanova no seu artigo, publicado meses antes de ver como o homem-CHEGA! iria aprender a usar a folha em branco sem que se rissem dele. Mas nenhuma fotocópia foi tão impactante como a que A.ventura mostrou a Marcelo, contendo uma foto de Marcelo junto de uma família de pessoas negras, acompanhada da legenda verbal: ‘Marcelo confraterniza com bandidos enquanto polícias sofrem numa esquadra ali ao lado’. Este terá sido um grande momento televisivo. Segundo a perspetiva do especialista da CNN talvez o momento alto do debate. Segundo a perspetiva dos tribunais e das pessoas com um mínimo de decência foi um dos momentos mais baixos da história do debate político num país em que ainda há pouco tempo os debates podiam acabar com a o moderador a dar a notícia de uma bomba na sede de um dos partidos. Neste tempo de tablets e kindles, os candidatos não conseguem atuar sem papeis. Nesta série de debates, quase todos espalham papéis pela mesa e muitos mostraram fotos, títulos de noticias e gráficos imprimidos a cores em folhas A4. Até a líder do P-A-N desperdiça carbono em papel e tinta de impressão para mostrar gráficos que ninguém consegue ler. O presidente do CDS por seu lado mostrou uma foto do Cotrim de Figueiredo a assistir a uma tourada, e as suas notas escritas a marcador preto de bico grosso parecem cábulas mal amanhadas. Só Catarina Martins, que não tira notas, nem tira os olhos dos opositores, tem sempre a mesa vazia de papelada para alem de um livro supostamente com o programa do se partido que acaricia de vez em quando com ar de aluna bem comportada. Mostrar programas e comparar tamanhos é um dos usos que os candidatos a São Bento têm feito da tecnologia inventada por Gutemberg, mas muitos de nós identificam-se mais com quem deixou o trabalho de casa para a última e não teve tempo de o imprimir e encadernar. A boa aluna presunçosa será provavelmente a candidata mais competente mas o calaceiro faz-nos sentir melhor em relação às nossas limitações. Nestes debates comprimidos em que os candidatos tentam aproveitar os escassos minutos que têm para passarem mensagens superficiais, o estilo Bob Dylan no videoclip de Subterranean Homesick Blues tem dado jeito. Mas, já que ninguém quer usar outras formas mais criativas de expressão não oral, o truque da folha em branco foi até agora o momento alto dos debates, tanto na redução da pegada ecológica como na impressão causada em analistas profissionais.

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